Ordem de Santiago críptica
Conta-se que São Tiago é o padroeiro dos exércitos de Espanha e Portugal por ter anunciado o Evangelho, nos primórdios do cristianismo, em diversos lugares da Península Ibérica, donde regressou a Jerusalém para ser aclamado dirigente da Igreja local, mas os seus restos mortais foram trasladados e sepultados na Catedral de Santiago de Compostela, erguida em sua honra e homenagem.
A oração a São Tiago Maior (1) reza assim: “Apóstolo São Tiago, escolhido entre os primeiros, tu foste o primeiro a beber no cálice do Senhor, e és o grande protetor dos peregrinos; faz-nos fortes na fé e alegre na esperança, em nosso caminhar de peregrino seguindo o caminho da vida de Cristo e alenta-nos para que, finalmente, alcancemos a glória de Deus Pai. Que assim seja. Amém”.
Com vista a proteger os peregrinos no caminho para o santuário da Galiza foi criada a Ordem de Santiago, que exerceu essa função protetora e de combate aos invasores muçulmanos na realidade ibérica dos séculos 12 a 16.
Pretende-se aqui descrever esse percurso existencial, através da indicação de marcos à beira do caminho, com a intenção de justificar a existência de um conselho críptico na maçonaria do Rito York com o nome Conselho Ordem de Santiago.
Para isso, reparte-se esta narrativa da Ordem de Santiago críptica em três partes: a primeira mostra a origem da Ordem no espaço ibérico, a segunda afirma a sua presença em Portugal e a terceira traça brevemente as linhas anuais do Conselho na maçonaria críptica portuguesa.
1. Ordem de Santiago na Ibéria
O símbolo da Ordem de Santiago identifica a Cruz de Santiago, uma cruz latina de cor vermelha viva, que simula uma espada de punho e dois braços, com a forma de flor-de-lis.
Este emblema da cruz espatária, uma espada em forma crucífera, aparece apresentado na roupagem vestida pelos cavaleiros santiaguistas e nos escudos de autoproteção.
A forma simbólica vem da época das cruzadas, quando os cavaleiros levavam pequenas cruzes afiadas para cravar no chão ao fazerem as suas orações diárias.
As três flores-de-lis representam a honra, inerente à moralidade do apóstolo São Tiago, e a espada significa o caráter e o martírio do cavaleiro-apóstolo, por ter sido decapitado com uma espada (no ano 44 em Jerusalém, segundo a Bíblia), ao mesmo tempo que interpreta a significância da arma em nome de Cristo no combate aos infiéis.
A cronologia da evolução histórica da Ordem mostra claramente a devoção ao apóstolo Santiago, que unifica o evangelizador ao protetor dos enfraquecidos pelas circunstâncias da vida.
-
No ano 711, os guerreiros muçulmanos, sob o comando de Al Kibir, atravessaram o estreito mediterrânico entre o norte de África e a Península Ibérica, acabando com o reino visigótico, que se reduziu a alguns pequenos reinos cristãos, situados na cordilheira da Cantábria, Astúriase Galiza, e também junto aos montes Pirenéus, tanto na Navarra como em Aragão.
-
997: O árabe Abu Amir Muhammad, conhecido por Almanzon, arrasou a pequena cidade de Compostela, onde se implantava o santuário em memória de São Tiago, e tornou-se necessário proteger os peregrinos dos assaltos, frequentes nos caminhos que demandavam Santiago, e também para deter as agressivas incursões muçulmanas nas terras dos cristãos.
-
1164: Todavia, somente no século 12 nasceu a associação de cavaleiros dita Ordem de Santiago, em honra do apóstolo Tiago, quando doze cavaleiros de Leão se uniram para defender os peregrinos e auxiliar os pobres, ao mesmo tempo que combatiam os mouros na vanguarda cristã das fronteiras da Extremadura.
-
1169: O rei de Leão, Fernando II (sobrinho-neto de Afonso VIII rei de Castela e marido de D. Urraca de Portugal, filha de Afonso Henriques e de Mafalda de Saboia) conquistou a fortaleza de Cáceres, na região sul, cuja proteção foi confiada à Confraria dos Cavaleiros de Cáceres, com Pedro Fernández Fuentecalada, que fundou depois a Ordem Militar de Cáceres.
-
1171: Essa confraria dos Irmãos de Cáceres comprometeu-se com o arcebispo de Compostela a defender as propriedades do episcopado na região de Cáceres e recebeu o nome de Cavaleiros de São Tiago da Espada de Santiago, num acordo escrito, no qual o arcebispo de Compostela, a quem os cavaleiros deviam prestar homenagem, ficou designado membro de honra e o cónego de Compostela recebeu o título de mestre da Ordem de Santiago.
-
1172: Os mouros recuperaram Cáceres e os cavaleiros de Santiago passaram para Castela, ao mesmo tempo que a Ordem de Santiago se fundava em Portugal.
-
1173: O rei Afonso VIII de Castela criou oficialmente a Ordem Militar de Santiago, com o primeiro Grão-mestre Pedro Fernández Fuentecalada.
-
1174: O rei castelhano Afonso VIII doou a cidade e o território de Uclés aos espatários, cuja organização nessa época primitiva também se designou Ordem de Uclés, pois a sua casa matriz localizou-se no Convento de Uclés, apesar dos cavaleiros se esforçarem por manter a sede em Leão.
-
1175: Através de uma bula, o papa Alexandre III aprovou a Ordem Militar de Santiago, fundada por Afonso VIII de Castela, cujos cavaleiros deviam obedecer por juramento à regra de Santo Agostinho(2), e integrou nessa Ordem os padres do estabelecimento vizinho de Loyo, instituindo-se assim uma ordem religiosa-militar de origem castelhana-leonesa.
-
1187: O papa Gregório VIII proclamou que as Confrarias e as novas Ordens deviam filiar-se nas Ordens de Cister e de Calatrava, já reconhecidas por bula papal, para que pudessem beneficiar dos privilégios das isenções concedidas.
-
1212: Após diversas intervenções guerreiras contra os mouros, como a reconquista de Teruele e Castellón, os espatários combateram nas batalhas de Navas Tolosa, onde morreu o seu Grão-mestre Pedro Arias, e então o rei de Leão bem como o rei de Castela concederam muitos privilégios aos santiaguistas, incluindo a posse de terras extensas, para as repovoarem na Andaluzia e em Múrcia.
-
1243: Com a conquista da Serra Morena para o rei castelhano Fernando III, o Grão-mestre Pelayo Pérez Correa(3) ocupou definitivamente Llena, municipalidade da província de Badajoz, e aí estabeleceu a sede da Ordem de Santiago, para efetuar o desenvolvimento da região.
-
1297: A Ordem fixou a residência dos seus mestres em Llerena, que repovoaram esse interior peninsular por intermédio de inúmeros forais.
-
1340: O rei Afonso XI presidiu às cortes castelhanas em Llerena, com a dedicada organização dos cavaleiros santiagristas.
-
1383: O Grão-mestre Pedro Fernández celebrou o Grande Capítulo da Ordem de Santiago em Llerena, participado por todos os comendadores da Ordem.
-
1492: Os reis de Castela e Aragão reconquistaram Granada, a última presença soberana dos árabes na Ibéria, mas o fim da reconquista aos mouros arrastou a Ordem para lutas internas, sobretudo em Castela, porque os seus inúmeros bens suscitaram o interesse da Coroa, além de que o cargo de grãmestre era bastante cobiçado pelas grandes famílias, com vista a encontrarem aí uma dignidade superior.
-
1493: O Papa concedeu essa dignidade numa bula aos Reis Católicos, e, devido às conturbadas quezílias internas na Ordem, após a morte do Grão-mestre Alonzo de Cárdenas, os soberanos de Castela pediram à Santa Sé que resolvesse os respetivos problemas administrativos reservando para si o grão-mestrado, e, a seguir, com a morte do rei católico Fernando, o sucessor Carlos I de Espanha tornou-se Grão-mestre da Ordem de Santiago (4).
-
1523: Após sete anos de grão-mestrado real, o papa Adriano VI uniu à Coroa espanhola os grão-mestrados das três Ordens de Santiago, Calatrava e Alcantara, que se tornou título hereditário dos reis espanhóis.
-
1836: A Ordem de Santiago teve de abandonar o mosteiro de Uclés, o qual foi destinado no século 20 a um colégio de ensino e, mais tarde, ao noviciado dos agostinhos, mas considerou-se monumento nacional em 1931, tendo sido saqueado em 1936 (com uma lamentável destruição do interior), para se tornar uma prisão na guerra civil de 1936 a 1943 e acolher em 1949 o seminário menor de Cuenca.
Atualmente, o rei de Espanha representa toda a tradição histórica das Ordens espanholas ao mais alto nível honorífico, dado o obsoletismo das respetivas missões vocacionais no movimento do tempo.
A sociedade tecnológica em que vivemos prossegue realidades distintas das medievas, com exigências éticas diferenciadas, e portanto exerce ações de índole diferente, mesmo relativamente à sociedade industrial dos séculos 19 e 20.
Nesta evolução, as Ordens tradicionais assumem desempenhos simbólicos, que se preservam para memória de um passado que possa inspirar a dinâmica do futuro com valores de inovação do presente, aquilo que constitui o tempo trívio de cada instante existencial.
Foto
Foto
Foto
2. Ordem de Santiago em Portugal
Obviamente, os cavaleiros de Santiago vieram de Cáceres para o litoral da Lusitânia e participaram nas sucessivas lutas de expulsão dos mouros deste território, porque integravam o espírito de solidariedade no combate aos infiéis do cristianismo, e, com essa fé, ajudaram a expandir as terras libertas de invasores árabes.
Na história de Portugal afloram inúmeros exemplos de coragem e entrega justa dos cavaleiros santiaguistas a causas libertadoras, com vista a construir uma nação digna e plena de solidariedade, através do incremento de frutuosos relacionamentos com atributos mais ricos, em iniciativas de proteção e estímulos para novos conhecimentos científicos ou interpretações literárias e artísticas da realidade.
A marcação histórica das datas mais notáveis desenha a evolução da Ordem de Santiago portuguesa, desde o nascimento ao seu apogeu e depois no declínio com a dinâmica civilizacional pela inovação científica e tecnológica.
-
1143: Quando ocorreu a independência portuguesa, pelo rei Afonso I, reconhecida no tratado de Zamora pelos reinos de Leão e de Castela, já a Ordem de Santiago operava no território, continuando a sua ação com os reis seguintes.
-
1147: A conquista de Lisboa aos mouros teve a valiosa contribuição dos cavaleiros de Santiago, e, como recompensa dessa intervenção dos espartários nas lutas pela libertação da futura capital portuguesa, o rei Afonso I ofereceu o Convento de Santos, mais tarde designado Santos o Velho, para primeira sede da Ordem de Santiago em território português.
-
1170: Depois, as conquistas das terras ao sul do Tejo permitiram que a sede da Ordem em Portugal se instalasse no Castelo de Palmela (até 1218, quando mudou para Alcácer do Sal, e que se haveria de transferir para Mértola, em 1254).
-
1171: Uma vez introduzida consolidadamente em Portugal, a Ordem de Santiago da Espada foi fundada como estrutura organizada, permanecendo a importante influência da Ordem de Uclés.
-
1194: A doação à Ordem do edifício de Santos, em Lisboa, criou um convento de acolhimento dos cavaleiros santiaguistas, mas a má administração sediada em Castela, muito afastada da realidade em Portugal, abandonou as casas portuguesas, com o consequente desagrado dos freires.
-
1212: A seguir à vitória dos cristãos em Navas Tolosa, os cavaleiros de Santiago esforçaram-se por reconquistar as terras perdidas para os mouros além do Tejo até Évora.
-
1215: Os estatutos da Ordem de Santiago em Portugal foram aprovados pelo papa Inocêncio III, durante o Concílio de Latrão, e então a instituição militar converteu-se também numa ordem religiosa.
-
1218: Após diversos reveses militares na conquista de Alcácer do Sal, um severo cerco fez cair esta praça definitivamente no poder dos cristãos, e a sede da Ordem de Santiago passou para esta cidade.
-
1234 a 1242: Os cavaleiros de Santiago, sob comando de Paio Peres Correia, que chegou a ser Grão-mestre da Ordem em Uclés, conquistaram grande parte do Baixo Alentejo (Mértola, Beja, Aljustrel, Almodôvar) e do Algarve (Tavira, Castro Marim, Cacela, Silves).
-
1238: As forças militares de Sancho II, comandadas pelo comendador da Ordem de Santiago, conquistaram aos mouros a cidade de Mértola, cujo governo ficou entregue à responsabilidade da Ordem.
-
1239: O rei Sancho II entregou ao grão-mestre Paio Peres Correia o governo de Mértola, que tornou esta cidade o principal centro da Ordem de Santiago portuguesa.
-
1249: Com a ajuda dos espatários, Afonso III conquistou completamente o Algarve aos muçulmanos (Faro, Loulé, Albufeira, Aljezur), em feitos que concederam à Ordem a doação de várias terras alentejanas e algarvias, sob a obrigação de serem povoadas e defendidas.
-
1254: No reinado de Afonso III, a sede da Ordem transferiu-se para a cidade de Mértola, onde permaneceu até 1316.
-
1255: O rei Afonso III confirmou os domínios e castelos doados à Ordem por Sancho I e confirmados por Afonso II, quer Alcácer do Sal e Palmela ou Almada e também Arruda.
-
1288: Devido à enorme distância relativamente à sede em Castela, a Ordem de Santiago portuguesa entrou numa situação decadente, e então o rei Dinis I procurou dinamizar a sua atividade com um mestre provincial próprio, garantindo a separação autónoma pela bula Pastoralis officido Papa Nicolau IV, quando D. João Fernandes foi eleito primeiro Grão-mestre português, enquanto também se autonomizava o ramo português da Ordem de Calatrava para dar lugar à Ordem de Avis.
-
1320: Esta data aparece igualmente referida como alternativa possível para a fundação definitiva da Ordem Militar de Santiago em Portugal, depois de uma larga contestação (com vários documentos pontifícios de confirmação e de anulamento da separação), ao longo de quase trinta anos, contra o evidente desprezo dos castelhanos pela organização portuguesa.
-
1388: A chegada ao trono de João I, Mestre de Avis, repartiu o governo das três Ordens existentes pelos seus filhos: a Ordem de Cristo (hereditária dos templários refugiados da barbárie francesa) foi entregue ao infante D. Henrique, a Ordem de Santiago teve à frente o infante D. João e a Ordem de Avis recebeu a direção do infante D. Fernando.
-
1423: O rei João I iniciou a construção no Castelo de Palmela do convento masculino, para os freires de Santiago.
-
1443: O reinado de Afonso V estabeleceu a Ordem de Santiago definitivamente no convento de Palmela, com o grão-mestrado nas mãos do infante D. João, filho do rei João I (avô de Afonso V).
-
1444: Começou a construção de um templo em Palmela, a Igreja de Santiago, onde repousa a arca funérea de D. Jorge de Lencastre, segundo duque de Coimbra, filho de João II e neto de Afonso V, que foi donatário da vila de Grândola e o último grão-mestre da Ordem com estrutura independente da casa real.
-
1452: Finalmente, a bula Etsi romanus pontifexdo Papa Nicolau V tornou portuguesa a Ordem de Santiago, ficando portanto autónoma da Ordem espanhola, e a bula Ex apostólica sedis reconheceu definitivamente a autonomia da Ordem em Portugal, também com o reconhecimento do mestre infante D. Fernando, Duque de Viseu e de Beja (igualmente Mestre de Avis), numa época em que a importância institucional já pouco significava em relação a outras ordens militares.
-
1482: A sede da Ordem transferiu-se definitivamente para o Castelo de Palmela.
-
1491: Os grão-mestrados das Ordens de Santiago e de Avis pertenciam a D. Jorge de Lencastre, filho bastardo do rei João II, que dirigiu a Ordem até 1550.
-
1542: A Ordem recebeu novos estatutos, a fim de se readaptar no século 16 ao movimento do tempo.
-
1546: A nova organização dos exércitos reais acentuou a decadência das Ordens e a administração da Ordem passou a ser da responsabilidade do Prior-Mor do Real Convento de Santiago em Palmela.
-
1551: As Ordens entraram em franco declínio no reinado de João III, não só devido ao fim da conquista aos muçulmanos e por causa da modernização dos exércitos, mas sobretudo porque a orientação política da nação portuguesa encontrara novo rumo no descobrimento dos caminhos marítimos para o mundo desconhecido, pelo que as três Ordens militares portuguesas ligaram-se definitivamente à Coroa, com o rei feito Grão-mestre único da Ordem de Avis, da Ordem de Cristo e da Ordem de Santiago, das quais recolhia benefícios dos serviços prestados, tendo os respetivos grão-mestrados sido unidos “perpetuamente” à Coroa de Portugal pela bula Praeclara clarissimi do Papa Júlio III.
-
1533: A administração passou para a Mesa da Consciência e Ordens, indiciando a lenta conversão no futuro das instituições do passado em ordens honoríficas.
-
1627: Aconteceu a reforma do estatuto da Ordem, com novas definições estatutárias, porquanto a Ordem tinha uma casa feminina no Mosteiro de Santos o Velho, inicialmente destinado a mulheres, filhas e viúvas dos freires da Ordem.
-
1780: A rainha Maria I decretou a criação de uma condecoração da Ordem Militar de Santiago da Espada, para distinguir o mérito dos serviços prestados pelos cidadãos às ciências, letras e artes.
-
1789: Uma Carta de Lei integrou a insígnia de Santiago na Banda das Três Ordens, convertidas a ordens honoríficas, por determinação da rainha Maria I, com vista a distinguirpela insígnia da Ordem os magistrados e também “Serviços que pareçam dignos dela, segundo a qualidade e importância das Pessoas, dos Empregos e dos Serviços” (5).
-
1791 e 1792: A Mesa da Consciência e Ordens depositou na Torre do Tombo 38 livros da chancelaria da Ordem de Santiago com registos antigos.
-
1814: Entraram na Torre do Tombo 3 livros provenientes do cartório do Convento de Palmela.
-
1816: A decadência da Ordem de Santiago, acentuada na ladeira do declínio de toda a cavalaria na Idade Moderna, fez extinguir a sede em Mértola.
-
1820: Chegaram à Torre do Tombo duas remessas de 8 e 9 livros oriundos da chancelaria da Ordem de Santiago do reinado de Maria I.
-
1834: Depois das guerras entre absolutistas e liberais, protagonizadas pelos reis Miguel I e Pedro IV (que fora imperador Pedro I do Brasil), verificou-se a extinção das Ordens Religiosas no país, com o decreto do “mata-frades” Joaquim António de Aguiar, ministro de Pedro IV, e todos os seus bens ficaram a pertencer ao Estado português, sendo desde então as Ordens Militares completamente secularizadas e reduzidas à simples lembrança das condecorações atribuídas pelo chefe de Estado.
-
1862: Por alvará, o rei Luís I modificou o âmbito da Ordem de Sant’Iago, que passou a ser designada “antiga nobilíssima e esclarecida ordem de S. Tiago do mérito científico, literário e artístico” (5), e determinou que se destinaria a agraciar “o assinalado merecimento pessoal e relevantes serviços prestados às ciências, às letras e às boas artes, tanto em ensino público, como em obras escritas e obras artísticas” (5).
-
1883: Chegou à Torre do Tombo muita documentação, requerida desde 1863, que se encontrava no cartório da Ordem de Santiago, detetando-se algumas faltas documentais.
-
1911: Com a implantação da República, em 1910, todas as Ordens Militares foram extintas em Portugal, à exceção da Torre e Espada.
-
1912: Muita documentação da Ordem de Santiago deu entrada na Torre do Tombo, arquivo que tinha sido entregue à Direção Geral dos Próprios Nacionais na extinção da Ordem.
-
1918: O mandato governativo de Sidónio Pais restabeleceu que “a Ordem de S. Tiago da Espada se destinava a premiar, em nacionais e estrangeiros, o mérito científico, literário e artístico” 5, repondo assim a possibilidade de atribuir condecorações a estrangeiros.
-
1920: O escritor Guerra Junqueiro e o pintor Columbano Bordalo Pinheiro foram condecorados com a Ordem Militar de Sant’Iago da Espada.
-
1962: A Lei Orgânica das Ordens Honoríficas instituiu o Grande-Colar da Ordem Militar de Santiago da Espada, destinado a agraciar Chefes de Estado, com o que se eliminou o vazio deixado pela Banda das Três Ordens, cuja legislação deixara de contemplar estrangeiros.
-
1972: O Grande-Colar da Ordem foi atribuído a primeira vez ao Presidente do Brasil, Emílio Médici.
-
1990: O Presidente Mário Soares condecorou a fadista Amália Rodrigues com a Grã-Cruz da Ordem.
-
1999: O escritor José Saramago recebeu o Grande-Colardo Presidente Jorge Sampaio, por ter sido contemplado com o Prémio Nobel de Literatura pela Academia Sueca.
Outras individualidades dos meios científicos, literários e artísticos foram agraciados ao longo das últimas décadas com estes reconhecimentos honoríficos.
Hoje, em Portugal, o Presidente da República é o Grão-mestre das três Ordens Militares, exibindo no peito a faixa tricolor representativa dos três grão-mestrados, a cor verde da Ordem de Avis, a vermelha da Ordem de Cristo e a violeta da Ordem de Santiago.
Foto
Foto
As insígnias das condecorações honoríficas atribuídas pelo Presidente da República, na qualidade de grão-mestre, compõem-se de Grande-colar, Laço da Banda da Grã-cruz, Insígnia de Cavaleiro e Placa de Comendador.
De facto, as caraterísticas da Ordem Militar de Santiago, reveladas essenciais no conflito ibérico das religiões monoteístas de Cristo e de Muahmmad, subsistem no século 21 com a expressão simbólica dos valores de coragem e responsabilidade nos feitos científicos, literários e artísticos.
3. Conselho Ordem de Santiago na Maçonaria
Também na simbologia maçónica, a Ordem de Santiago traduz o mesmo esforço de preservação do inefável místico, expresso na sentimentalidade que fortalece a proteção das singularidades do conhecimento descoberto no imagerial e das artes metafísicas derramadas no imaginal.
E tudo se funde na imagética da mente, que interpreta a realidade trívia sentida por cada humano na sua cripta.
Sob o ponto de vista institucional, a gestação da estrutura críptica na Maçonaria Regular em Portugal começou em 1997, na verdade com muitas debilidades funcionais, dada a dificuldade de emancipação relativamente ao sistema progenitor da estrutura capitular do Arco Real.
Talvez por isso a existência do Conselho Ordem de Santiago, número 5, não tenha sido fácil, ou porque se banalizou a perspetiva da maçonaria críptica constituir apenas uma plataforma necessária para ascender aos graus cavaleirescos, o que não é de todo verdadeiro.
E a incompreensão subsiste vigorosamente, como mostra o breve relato dos anos vivenciados na cromodinâmica púrpura da maçonaria críptica, tal como identifica a cor violeta da Ordem de Santiago.
-
1997: No dia 19 de abril realizou-se a 1.ª Convenção do Arco Real em Portugal e José Vieira Pinto Coelho foi eleito grande sumo sacerdote do Supremo Grande Capítulo do Arco Real de Portugal, o qual iria receber amistosas honras, passados poucos dias, na Grande Convenção da Alemanha, estabelecendo então os primeiros contactos para introduzir a maçonaria críptica em Portugal.
A 13 de junho, o Ilustríssimo Grão-mestre Charles Hunsucker veio a Lisboa ascender 32 mestres do Arco Real de Portugal, em atividade maçónica nos dois capítulos existentes (Mosteiro Flor da Rosa e Mosteiro de Santa Cruz) aos graus crípticos de Mestre Real e de Mestre Escolhido, e então o representante internacional concedeu duas dispensas com vista a que esses companheiros se organizassem de maneira a poderem reunir e atribuir os graus recebidos.
Em 21 de junho foram criados os primeiros Conselhos Crípticos da Maçonaria Regular em Portugal, mantidos temporariamente sob jurisdição do Grande Conselho de Maçons Crípticos da Alemanha: o Conselho Mosteiro Flor da Rosa, n.º 1, a operar em Lisboa, e o Conselho Mosteiro de Santa Cruz, n.º 2, no Porto.
-
1998: Em 23 de janeiro, realizou-se no Templo de Alvalade uma cerimónia em que estes conselhos conferiram os dois graus crípticos a cinco mestres do Arco Real, o que aconteceu pela primeira vez inteiramente na língua portuguesa e somente com a intervenção de oficiais portugueses.
A 25 de abril constituiu-se o Conselho Mosteiro de São Bartolomeu, n.º 3, a oriente de Bragança, numa cerimónia consagratória em Badkissingen, durante a Assembleia Anual do Rito York, tendo a respetiva dispensa sido emitida por Ward Williamson, Ilustríssimo Grão Mestre críptico da Alemanha, que terminou assim a acção fundacional pela circunscrição alemã, ao reconhecer maturidade suficiente no desenvolvimento interno da maçonaria críptica portuguesa.
No dia 19 de maio, os três Ilustres Mestres, do Conselho Mosteiro Flor da Rosa, do Conselho Mosteiro Santa Cruz e do Conselho Mosteiro de São Bartolomeu solicitaram que o General Grand Council Criptic Masons International patrocinasse a criação de uma Grande Jurisdição de Maçons Crípticos em Portugal, com base nesses três Conselhos.
Em 18 de setembro, após cumpridas as necessárias formalidades em Genève, realizou-se a criação do Grande Conselho de Mestres Reais e Escolhidos de Portugal, conforme ficou designado o Grande Conselho Críptico em Portugal, numa cerimónia conduzida pelo Grão Mestre Geral, o Ilustríssimo Companheiro Osville Wessler.
E assim surgiu, no dia 27 de dezembro de 2000, o Mosteiro da Ordem de Santiago, Conselho No. 5, a Oriente de Lisboa, com uma denominação inspirada por um dos proponentes, Alberto do Trovão do Rosário, morador próximo do Castelo de Palmela e profundo conhecedor da história dos cavaleiros santiagristas em Portugal.
Portanto, as perspetivas para o futuro do Conselho Ordem de Santiago são auspiciosas, uma vez implementadas algumas condições de remoção da ingrata experiência do passado, como resultado da criteriosa gestão do Grande Conselho e à ação ativa do próprio Conselho, em consequência do manifestado interesse dos novos companheiros, integrados na recente concretização do princípio de permanência duradoira nos graus crípticos, quer antes quer depois de qualquer entrada numa Comenda.
Em boa verdade, não há dúvida quanto ao mérito de retardar a subida na escalada dos altos graus, que concede consistência e credibilidade à orgânica do Rito York, estruturando a compreensão dos conceitos transmitidos, à custa da assimilação das ideias contidas no caminho críptico entre a filosofia capitular e a experiência dos asilos templários.
Tal como nos tempos medievos a Ordem Militar de Santiago garantiu a segurança dos peregrinos na Ibéria, também hoje, na maçonaria críptica, o Conselho Ordem de Santiago constitui um elemento forte de proteção da palavra descoberta.
E assim continuará, em revigoramento.
Notas
(1) Segundo o Novo Testamento bíblico, o apóstolo Tiago era irmão do apóstolo João Evangelista, e refere-se por Maior (mais velho) para o distinguir de outro discípulo de Jesus conhecido por Tiago Menor (mais novo).
(2) A regra de São Bento era seguida pelos Cavaleiros de Cister, em obediência aos estatutos da Ordem de Cister, fundada em 1098 na abadia de Citeaux, em França, e não se obrigavam a voto de castidade, podendo casar, embora a bula papal recomendasse o celibato.
(3) Como se verá adiante, trata-se do grão-mestre português Paio Peres Correia.
(4) Anteriormente, o grão-mestre da Ordem de Santiago era eleito pelo Conselho dos Treze, constituído por 13 cavaleiros designados entre os governadores e comendadores provinciais da Ordem.
(5) Olímpio Melo, Ordens militares portuguesas e outras condecorações, Imprensa Nacional, Lisboa, 1922.
(6) Note-se que geralmente a denominação de um Conselho é dada (exceção do Conselho Ordem de Santiago) como se este pertencesse a um Mosteiro (por exemplo, Conselho do Mosteiro Flor da Rosa, em vez de Conselho Mosteiro Flor da Rosa), o que indicia logo uma subordinação institucional, que não existe na realidade mas mantém apontada a debilidade estrutural.