Introdução
O que são os graus maçónicos crípticos? Constituem eles um Rito maçónico específico? Qual a génese da sua integração no Rito de York? Será a sua sequência coerente nos altos graus? Que caminho percorreram eles até hoje?
Estas são, porventura, algumas das questões pertinentes que qualquer maçom críptico se coloca ou, deveria colocar, no âmbito do seu caminho iniciático, sob pena de não compreender, nem realizar, uma prática consciente destes graus do Rito de York.
O objectivo deste ensaio consiste, deste modo, em tentar responder a estas questões, identificando e sistematizando a génese e a evolução histórica do Rito Críptico na Maçonaria anglo-saxónica, sistema litúrgico e iniciático, cujos graus, na origem, não possuíam um encadeamento lógico recíproco.
Esperamos, deste modo, poder contribuir para a realização iniciática e formação de todos os Companheiros crípticos sobre o percurso atribulado da origem e desenvolvimento cronológico dos graus deste Rito, constituinte da estrutura global do Rito de York, percorrendo o caminho desde a sua constituição até à sua transmissão actual.
Identificação e situação do Rito Críptico
Os graus do Rito da Maçonaria Críptica constituíam inicialmente patamares laterais do Rito Escocês Antigo e Aceite, a saber: Mestre Real, Mestre Escolhido e Super Excelente Mestre.
O primeiro constitui tipologicamente um grau, chamado hirâmico, situado entre o 3º e o 4º grau [designados Mestre Maçom e Mestre Secreto, respectivamente com a morte de Hiram Abiff por três Companheiros e a consagração da sua sucessão iniciática com Adoniram por Salomão no Santo dos Santos do Templo de Jerusalém]; o segundo constitui um grau, classificado como críptico, escocês ou inefável, anexo ao 14º grau, do REAA [Grande Eleito, Perfeito Eleito, Mestre Sublime e Perfeito cujo tema consiste no depósito da Palavra Perdida do 3º grau, o Nome Secreto de Deus, na cripta subterrânea de nove arcos sob o Palácio Real e o Templo de Jerusalém, pelo Rei Salomão de Israel e por Hiram, rei de Tiro, bem como pelo Arquitecto Hiram Abiff], correspondendo também ao de Grande Cobridor de Salomão ou Maçom Eleito dos Vinte e Sete do sistema eclético dos Graus Maçónicos Aliados; o terceiro constitui uma miscelânea histórica, sem qualquer correspondência anexa ou paralela com o Rito Escocês Antigo e Aceite.
Um dos mais importantes e curiosos Ritos maçónicos, o Rito Críptico é, no entanto, um dos mais pequenos, cujo nomadismo aventureiro e rocambolesco é verdadeiramente surpreendente. Uma das suas singularidades consiste no facto de os dois graus principais, Mestre Real e Mestre Escolhido, se encontrarem associados a uma cerimónia denominada Super Excelente Mestre, não considerada propriamente um grau, apesar de ser mais dramática do que a maioria dos graus maçónicos, consistindo a cerimónia na encenação de um incidente mencionado na palestra instrutiva do cargo de Viandante Principal na cerimónia de iniciação do grau capitular de Mestre do Arco Real.
Uma outra particularidade assinalável do Rito Críptico reporta-se à diferença de opinião entre os especialistas maçónicos quanto à relação sequencial adequada de conferência dos dois graus aos candidatos, quando ambos deveriam preceder cronológica e doutrinalmente o grau do Arco Real.
Na verdade, quer o grau de Mestre Real, quer o grau de Mestre Escolhido são graus maçónicos tipologicamente classificados como pertencendo ao âmbito classificativo denominado escocês, francês, nono arco ou cripta secreta, e a adjectivação de crípticos foi-lhes atribuída pelo liturgista e historiador maçónico norte-americano Robert Williams Peckham ou Rob Morris (1818-1888), numa alusão ao tema doutrinal da cripta do Templo de Salomão.
Estes dois graus devem, preferencialmente, ser discutidos em conjunto, dado existir, entre eles, quer um certo contraste, quer uma certa relação. Sendo ambos introdutórios da mitologia maçónica do Segundo Templo de Jerusalém [de Zorobabel], independentemente do seu reconhecimento ou aceitação institucional, estão intimamente relacionados com a lenda do Primeiro Templo de Salomão, ou seja, anteriores ao assassinato do Arquitecto Hiram Abiff.
Assim como o primeiro e o segundo grau do Rito Críptico constituem respectivamente o 8º e o 9º grau do Rito de York e o 17º e o 18º grau do Grande Rito Primitivo da Escócia, na transição do século XVIII para o século XIX, todos os graus crípticos situam-se cronologicamente antes do grau de Mestre do Arco Real, o qual pertence já ao âmbito do Segundo Templo, relativo à redescoberta dos segredos depositados nos graus crípticos.
Esta particularidade é justificada e explicada porque estes mesmos graus foram até hoje conferidos com frequência pelas mesmas estruturas maçónicas tutelares dos graus capitulares do Arco Real, sob constituição americana [quanto ao Rito de York] ou britânica.
De facto, a datação cronológica narrativa do grau de Mestre Real situa-se entre a descoberta do corpo de Hiram, a elevação e o enterramento final, sendo o seu principal evento constitutivo a conferência ocorrida entre Adoniram, sucessor de Hiram, como Arquitecto do Primeiro Templo de Jerusalém, Hiram, rei de Tiro e Salomão, rei de Israel.
A datação concorda ainda com o 4º e o 5º grau do Rito Escocês Antigo e Aceite [respectivamente Mestre Secreto e Mestre Perfeito, neste ultimo onde se homenageia a memória do falecido Mestre Hiram Abiff, com a presença dos Reis e do Ministro Zabud], sendo também substancialmente similar à do 8º grau [Intendente dos Edifícios, alusivo à selecção do sucessor de Hiram], cujo assunto essencial consiste precisamente na cooptação de um novo Arquitecto para o Templo de Jerusalém.
No entanto, por outro lado, no grau de Mestre Escolhido, o Arquitecto Hiram encontra-se ainda vivo e, é o protagonista. O Ritual decorre no Primeiro Templo de Salomão e o acontecimento essencial é o depósito do Segredo.
Na verdade, a actual sequência dos graus crípticos deve-se à argumentação teorizada por alguns adeptos defensores de que a descoberta, mais do que o depósito, constituí o respectivo evento epocal maçónico e transmitiu a sua verdadeira significação ao grau de Mestre Escolhido, mas esse fundamento negligencia o facto de essa mesma descoberta ter sido feita não nos graus crípticos, mas sim no Arco Real.
Assim, muito provavelmente, a presente sequência dever-se-á a uma simples herança de uma teorização temática e cronológica empregue por autores maçónicos do séc. XIX, não tendo sido desde então considerada suficientemente efectiva para requerer o respectivo afastamento recíproco, sendo ainda uma das situações casuísticas em que diversos graus agregados carecem de uma adequação sequencial temporal.
Adicionalmente, a cerimónia, denominada Super Excelente Mestre [talvez a mais dramática do Rito de York], data da imediata subsequência do grau de Mestre Real e de Mestre Escolhido, relacionando-se com a destruição do Primeiro Templo e o exílio babilónico-persa do povo hebreu.
Além do facto de existir algum dilema, mais que disputa, sobre a ordem em que os graus crípticos são normalmente conferidos, pois o grau de Mestre Escolhido deveria preceder o de Mestre Real, nenhuma informação está disponível sobre a história da cerimónia de Super Excelente Mestre, que é talvez o único contexto litúrgico maçónico em qualquer Rito onde um drama é representado como em nenhum outro grau, e cuja primeira ocorrência conhecida em território americano surge registada em Middletown, no Connecticut, em 1783.
De facto, quando o continente americano foi inundado por diversos graus maçónicos, não há registo deste grau nas listas dos graus existentes. Nem deste, nem do grau de Mestre Real ou de Mestre Escolhido, excepção feita ao grau de Mestre Escolhido, que poderia estar incluído numa das duvidosas listas de graus conferidos pelo Capítulo de Clermont [potência maçónica superior pioneira em França, vigente entre 1754 e 1758, integrando um 5º grau de Mestre Escolhido ou Cavaleiro do Oriente, e gerador do Rito de Heredom ou de Perfeição, embrião do então futuro Rito Escocês Antigo e Aceite].
Na globalidade, o grau de Mestre Real e o grau de Mestre Escolhido encontram-se entre as melhores narrativas litúrgicas maçónicas, tal como o de Super Excelente Mestre que é, de facto, um dos dramas maçónicos mais arrebatadores de sempre.
Particularmente, todos os trabalhos litúrgicos dos graus crípticos são de qualidade ritualística superior e encontram-se entre os mais importantes e significativos de toda a instrução maçónica. Este aspecto, é facilmente demonstrável pela sobrevivência histórica destes graus e a sua itinerância entre diversas jurisdições estaduais capitulares, por um lado e, conciliares por outro, durante muitos anos.